sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Cabeça da Medusa incrustada como efígie na Égide de Athena


Athena carrega, no peitoral de sua armadura a cabeça de Medusa, a rainha das Górgonas.

As Górgonas são três irmãs (Medusa, a dominadora; Euríale, a errante e Esteno, a violenta) que simbolizam os inimigos interiores que temos de evitar. São deformações monstruosas da psique nascidas do desvirtuar de três pulsões humanas: sociabilidade (Esteno), sexualidade (Euríale) e espiritualidade (Medusa). Como a perversão espiritual prevalece sobre as outras, Medusa é conhecida como rainha das Górgonas.

A perversão da pulsão espiritual, por excelência, é a vaidade (imaginação exaltada em relação a si mesma) que é simbolizada pela serpente. Em Medusa, inúmeras serpentes coroam sua cabeça.

No frontispício do templo de Apollo (irmão de Athena), deus da harmonia, lêem-se as palavras que resumem toda a verdade oculta dos mitos: “conhece-te a ti mesmo”. A única condição do conhecimento de si mesmo é a confissão das intenções ocultas, que, por serem culpáveis, são habitualmente maquiadas pela vaidade (por uma justiça falsa, pois sem mérito, infundada). A inscrição reveladora significa, portanto: desmascara tua falsa razão, ou, o que dá no mesmo, aniquila tua vaidade. Faz-se necessário a clarividência em relação a si mesmo, o inverso do ofuscamento vaidoso e petrificante.

Ver Medusa significa: reconhecer a vaidade culposa, perceber a nu suas falsas razões, suas intenções ocultas, o que ninguém consegue confessar a si mesmo, da qual ninguém suporta a visão.

A cabeça da Medusa foi presente do herói Perseu, a quem a deusa Athena auxiliou em combate emprestando-o seu escudo, para que não a encarasse de frente e ficasse estagnado. O escudo reluzente de Athena, ao refletir a imagem verídica das coisas e dos seres, permite conhecer a si mesmo: é o espelho da verdade. Neste escudo, o homem se vê tal como é, e não como gosta de imaginar ser.

Athena é a deusa da combatividade espiritual (as três manifestações da elevação espiritual são a verdade, a beleza e a bondade). A sapiência, o amor pela verdade é a condição para ascender ao conhecimento de si e, em conseqüência, para adentrar na harmonia (Apollo).

Para derrotar a Medusa, foi necessário que o herói a surpreendesse enquanto dormia pois o homem somente é lúcido e apto ao combate espiritual quando a exaltação de sua vaidade não está desperta. Arma muito cobiçada, mesmo morta, a cabeça da Medusa continuou mantendo seu poder de petrificar quem a encarasse de frente.

Contra a culpabilidade advinda da exaltação vaidosa dos desejos, não há senão um único meio de salvaguarda: realizar a justa medida, a harmonia.

A deusa, símbolo da combatividade que inspira o amor à verdade, convida os mortais a reconhecerem-se em Medusa, incitando-os à luta contra a mentira essencial, a mentira subconscientemente desejada, o recalcamento, as falsas razões. A cabeça cortada prova que a Medusa não é invencível.

Antes de merecer o apoio de Athena, todo mortal deve encarar o símbolo da decadência espiritual (a vaidade). Somente assim têm-se certeza de que sua reivindicação não oculta outra intenção, ou seja, não é capricho, teimosia. Ante a imagem da Medusa, quem busca a deusa clamando por justiça tem somente duas possibilidades: contar com sua proteção (vitória certa), se já passou pela prova da Medusa, ou imobilizar-se no pânico e petrificar-se.

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